Páginas

sábado, 30 de junho de 2012

A história de um Palhaço triste

O palhaço chegou no camarim e sentou-se na frente do espelho. Arrancou violentamente o nariz vermelho, rompendo o elástico que o prendia em sua cabeça. Inspirou profundamente e expirou rapidamente, bufando, enquanto sua coluna ficava ainda mais encurvada. Pouco a pouco, levantou a cabeça e voltou o seu olhar para o espelho. E ali encarou aquele rosto maquiado, cheio de tintas coloridas até que olhou no fundo dos seus próprios olhos. E percebeu como eles se transformaram, com o passar do tempo, num oceano de tristeza e amarguras. Mirando aquele oceano, parou um pouco para pensar.


Tinha vindo de um show incrível, cheio de risadas e alegria. O palhaço, com sua maquiagem colorida e engraçada fazia a todo momento galhofa de si mesmo, zonava com suas próprias desgraças. E ali, no picadeiro ou no palco, ele se realizava ao ouvir os risos e aplausos do público que sempre lotavam a platéia de suas apresentações. Entre jovens, adultos, velhos e crianças, todos se divertiam com suas, literalmente, palhaçadas.


E agora ele estava ali, no camarim improvisado do seu velho trailer, cheio de roupas coloridas, perucas e potes de tintas para o rosto. Havia também uma caixa onde ele guardava seus narizes redondos, das mais variadas cores. Ainda ouvia os aplausos e risadas em sua cabeça quando percebeu uma gota d'água manchando a tinta azul que estava ao redor de seus olhos. Sim, ele estava chorando, porque por trás de seu sorriso, escondida em suas palhaçadas estava sua tristeza.


Sim, ele estava cansado de toda aquela vida. Ele amava tudo aquilo que fazia, mas estava cansado de ser sempre o desgraçado, de ser sempre o motivo de riso dos outros e nunca, nunca sorrir sinceramente. Afinal, ele também era um ser humano.  Mas ele só vivia como palhaço. Sua vida como ser humano não era grande coisa. Sozinho, isolado da sociedade, ele buscava um refúgio ao rir de suas próprias desgraças.


Seu relógio digital apitou. Era uma hora da manhã. Mais uma madrugada solitária na sua vida de palhaçadas. Mais um dia silencioso que se iniciava após uma noite barulhenta. Em meio aos ecos das gargalhadas e das músicas circenses, dormia longe a distância uma lembrança dele, de sua infância, uma época feliz. Uma época em que ele ria de verdade, fosse de suas próprias desventuras ou de qualquer coisa banal que tivesse graça suficiente para enlarguecer seu sorriso. E recordando, mais lágrimas irromperam de seus olhos, manchando ainda mais sua maquiagem, que naquela noite estava ainda mais elaborada.


Então ele percebeu que, se ele erá capaz de levar o sorriso às outras pessoas, ele poderia encontrar um meio de sorrir também. E que só ele poderia fazer isso. Se tocou que a felicidade pode existir, assim como na sua infância longínqua, e que é preciso ir atrás dela ao invés de esperar que ela caia do céu. E que o primeiro passo para sorrir quando se está chorando é enxugar as lágrimas.


Então, de supetão, passou o dorso das mãos nos olhos para enxugar as lágrimas, sujando-as todas. Com isso, caiu tinta em seus olhos, ardendo profundamente e ele achou aquilo muito engraçado, deixando soar uma gostosa gargalhada. Pegou uma bacia d'água que jazia perto de sua mesa e lavou o rosto. Após enxugar-se com uma toalha branca, olhou-se novamente no espelho e conseguiu reconhecer aquele garotinho de outrora nos traços de sua face. Arrancou seu macacão de bolinhas coloridas, vestiu um paletó antigo sobre uma camiseta branca, uma calça jeans, colocou um chapéu coco na cabeça, pegou um guarda chuva e, antes de sair do trailer, virou-se para o interior dele, olhou todo o seu camarim improvisado, com todas aquelas cores, figurinos e objetos engraçados que o acompanharam em tantas palhaçadas. Com a mão sobre o interruptor, olhou tudo aquilo e, um pouco emocionado, deu um último suspiro e apagou as luzes fechou a porta e foi para o mundo. Alegre e saltitante, em busca da tão sonhada felicidade. Mas ele não tinha pressa, tinha todo o tempo do mundo e, na verdade, estava mais interessado no que essa jornada reservava para ele.


Só que ele não sabia, naquele momento, que a felicidade dele já existia, e estava logo ali, dentro de seu coração...







Rafael Victor

Nenhum comentário:

Postar um comentário