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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Frente a frente

Estava esperando há algum tempo naquela sala cinzenta. Parecia uma sala de interrogatório: paredes de concreto, uma mesa, duas cadeiras (uma em cada ponta da mesa), um botão aqui, outro ali, uma porta atrás da cadeira dele, duas portas do outro lado da sala, nenhuma janela. A iluminação era bem razoável, permitindo ver todos esses detalhes da sala. Mas não era possível ver nenhuma lâmpada...
Lá não estava frio, muito menos calor. Mas ele começou a suar. E a tremer.

Do nada começou a pensar em sua vida. O que havia feito, o que havia sentido. "Será que fiz algo de bom? Mas o que é bom? Será o certo? Mas, o que é certo? E o errado? Sinceramente, não sei." Continuava a suar. Agora olhava para todos os cantos, nervoso. Até que a porta atrás dele se abriu e ela entrou. Aquela misteriosa mulher encapuzada que o trouxera até ali. Ela entrou, passou a mão no ombro dele e se dirigiu para o outro lado da sala. Baixou o capuz, tirou a capa, revelando um belo e decotado vestido preto. Sua tez pálida, porém macia, seus olhos escuros (pareciam roxos), seu nariz arrebitado, seu busto farto, tudo chamou, surpreendentemente, a atenção dele. Se não estivesse numa situação tão complexa teria olhado-a com olhos um pouco mais audaciosos.

Ela pendurou a capa nas costas das cadeiras. Soltou os longos e ondulados cabelos, brincando um pouco com eles, suspirou e puxou a cadeira. Sentou-se elegantemente. Suas mãos quase transparentes, dedos finos estampando os mais finos anéis e a coloração azulada das unhas, postas sobre a mesa, seus olhos, misteriosos, postos, vidrados no rosto dele. Sua expressão era indecifrável. Poderia estar sorrindo, ou poderia estar reprovando-o. E isso o deixava ainda mais nervoso.

No seu olhar parecia rondar um pouco de curiosidade. Ele, tremendo, começou a rever, mentalmente, toda sua vida. Será que tinha sido mau? Sim, admitia que sofrera sua explosões algumas vezes. Noutras, implodiu, abafando seus sentimentos mais revoltados. Mas sempre, sempre tentou fazer o que acreditava ser certo. E, provavelmente, conseguiu, mesmo que só um pouco. Talvez até tivesse tido seus orgulhos, suas intolerâncias,mas conseguiu o perdão, e perdoou também. Lembrou-se dos sorrisos(e risos, e gargalhadas) que provocou, dos abraços que distribuiu, dos beijos que lançou. Lembrou-se de como se sentia bem ao praticamente se anular ao ajudar quem quer que lhe pedisse ajuda. Lembrou-se de como se sentira culpado quando não conseguiu fazê-lo. Aliviou-se ao recordar que não provocara muitas lágrimas. Lembrou-se de amar todos que o rodeavam igualmente, sendo criticado por isso. Mas agora estava em dúvida. Naquele  momento, naquela sala, naquela presença. Nada parecia mais fazer sentido. Ele parecia estar divisando um destino imutável e inexorável. Deixava transparecer seu desespero.

-Qual o meu destino?

A senhora sorriu.

-O que você acha?

-Não sei o que achar. Tenho medo do que pensar. No momento tenho a sensação de estar esperando por algo irrefutável, sem volta.

-Shh. Você não sabe o que está falando. Do lugar para onde você vai há volta. De todos os lugares nesse universo há volta. Todos têm direito a ir e vir. Todos têm direito a mudar. Todos têm uma segunda chance.

-Então eu terei uma segunda chance?

-Não sei. Não sou eu quem pode lhe dizer. Isso só depende de você. Depois que eu sair, você escolherá uma dessas portas aqui atrás.- Se levantando - Agora, se me der licença, tenho muitos outros e outras para atend...

-Espera!

-...

-Eu tenho uma última pergunta! O que é certo?

-...

-Qual é a verdade?

Ela esboçou um leve sorriso. Pegou sua capa, vestiu-a. Andou lentamente até atrás da cadeira dele. O coração dele mimetizava o ribombar dos trovões de uma furiosa tempestade. Ela colocou o capuz, abaixou-se para perto de sua cabeça e sussurrou em seu ouvido direito:

-Você ainda não sabe?

E saiu.


                                                              Rafael Victor

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Em busca da felicidade

"Certa vez decidi procurar a felicidade. Sai numa jornada épica, vivendo cada coisa com o olhar atento, focando no meu objetivo. E quando estava mais desenganado de meu sucesso, me dei conta que eu estava rodeado de felicidade. Verdadeiros tesouros em todos os cantos que olhava. 

Encontrei a felicidade no riso sincero. Encontrei a felicidade na gargalhada despreocupada. Encontrei a felicidade na alegria infantil e na mais avançada idade também. Encontrei-a no olhar inocente das crianças, no olhar forte dos jovens, no olhar esperançoso dos adultos, no olhar nostálgico dos mais velhos. 

Encontrei a felicidade na verdade do encontro, na troca de energias, no olhar brilhante de meu companheiro. Encontrei a felicidade no estar junto, no estar PERTO, no querer junto. E muito.

Encontrei a felicidade Naquele Abraço bem apertado, vivo, enérgico, e totalmente grátis.

Encontrei a felicidade no Amor distribuído, desapegadamente.

Encontrei a felicidade em corredores sombrios, salas iluminadas, praças movimentadas ou em ladeiras arborizadas. Encontrei a felicidade em noites felizes num bairro pitoresco. 

Encontrei a felicidade ao viver inúmeras aventuras, dignas de Odisseu, com uma Guerreira, outra Altina, e, pra começar, certa Bolonhesa. 

Encontrei a felicidade na ponta do meu nariz vermelho, nessa energia 300% que parecem bolinhas em ebulição dentro de mim; nessa vontade de ser e de fazer feliz.

Sim, fui feliz. E assim voei, leve. Na alma." 


Bolota Tonelada


Rafael Victor

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Utopia infantil.

Não queria crescer. Sentia medo dos adultos. E num devaneio insano, desejou intensamente não mais crescer. E nunca mais cresceu. Assim, pode ir pros mundos encantados de suas histórias favoritas, cheias de magia e diversão. Até que lhe deram um susto e ele acordou sobressaltado. Acordou no selvagem mundo dos adultos. E chorou.

Rafael Victor

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Angústias.

Insônia.

Olhos Secos.

Olhos Vermelhos.

Boca Seca.

Olhos Saltados. Em pleno escuro.

Mãos, violentas, arrancam fios do cabelo.

Trêmulas, incapazes.

As pregas vocais rangem, numa louca tentativa de soltar uma nota altíssima, o mais desafinado possível.

Tudo em busca de um desabafo. Algo que venha aliviar a dor no seu peito, a estafa em seu cérebro.

Palpitações. 

Silêncio...

Gritar resolve?

Decide chorar.

Olhos secos, não permitem. 

Ira. 

E aqueles pensamentos que o angustiam não param de invadir sua mente.

Dúvidas. Questionamentos. E, até, possibilidades. Tudo irritando seus neurônios e suas supra-renais.

Palpitação. Pupilas dilatadas. Escuro, ineficaz na arte de esconder as coisas. Muito menos, pensamentos.

Dormir. Pra esquecer.

Insônia. 

Preso, num quarto. Preso, num corpo. Preso, no próprio cérebro.

Quer se libertar. Quer voar. Deseja loucamente qualquer coisa similar.

Ou, pelo menos, entender.


Rafael Victor

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Caminhos Cruzados

Era uma história de dois jovens. Um garoto e uma garota. Ele, coração ferido, sarando ainda do último golpe que o famigerado amor havia desferido contra seu peito. Ela, inocente, jovem desbravadora dos caminhos sinuosos do coração,esperava ansiosamente pelo dia que aquele mesmo famigerado amor bateria em sua porta. Ou quando ela tropeçasse e caísse em cima dele.

Não se sabe bem ao certo como os caminhos dos dois jovens vieram a se cruzar. Mas o destino, com seu estilo todo misterioso de trabalhar, se encarregou de unir os dois caminhos num só. E nessa peripécia, eles se conheceram e a afinidade foi mais que evidente. Estavam encantados, um com o outro. Seus olhares só tinham brilho quando estavam próximos e parecia que havia uma concentração maior de adrenalina em seu acelerado sangue.

Mas havia uma certa diferença naquele até então estranho sentimento que parecia surgir concomitantemente no coração daqueles jovens. Tantas conversas, tantos risos, tantos abraços... ah, os abraços; Não havia melhor lugar no mundo para aqueles dois que nos abraços que se entrelaçavam. E o que fazia diferenciar a forma que se atraíam era a enganadora dos sentimentos mais nobres: a dúvida. Ela, inexperiente nos papos de coração, não sabia o que sentia de fato por aquele garoto. "Será amor, será paixão? Mas nós somos bons amigos! Será que...". E ele tinha dúvidas se queria realmente sentir aquilo. Ou aquele (amor). Ao contrário de nossa heroína, ele já era mais experiente nos papos de coração, e como já havia sofrido muito queria se endurecer para nunca mais sentir algo parecido. Ou pelo menos por um bom tempo. No entanto ele não era tão experiente a ponto de saber que esse tipo de coisa não está no nosso querer. Talvez seja mais uma peripécia do Sr. Destino...

Mas a garota era muito perspicaz. Enquanto ele provavelmente tentava esquecer os efeitos de sua última dor aproveitando uma amizade que fingia não ver os promissores potenciais, ela buscava se informar, descobrir, averiguar, diagnosticar o que de fato estava sentindo. E ela descobriu! Ou pelo menos acha que descobriu. Descobriu sim; o pelo menos é por simples zelo dela. Sua descoberta, ela a guardou em segredo. Só as personalidades mais próximas que teriam o merecimento de saber.

Não! Ela não aguentava mais aquela situação! Aqueles segredos, aquele sentimento todo que parecia prestes a explodir e esborrar pelos seus olhos, bocas, ouvidos... "E ele... Ele com seus olhos brilhantes e sorrisos inebriantes, sempre tão forte; tão perto e tão distante... Será que... será que ele sente o mesmo? Será possível que ele consegue esconder com tanta maestria?" Enrubescia à mera citação de seu nome, virava-se ansiosa ao simples pensar que havia escutado a voz dele. E nessa euforia um tanto adolescente, seu coração mostrava sua jovialidade ao não parar quando lhe chegava o estímulo visual daquele rosto, daquele garoto.

E ele? É lógico que ele sentia o mesmo. Mas não é necessária a redundância para se explicar porque disfarçava. Sim, ele queria pular, voar, gritar e até cantar! Queria gargalhar depois de beijar aquela que poderia se tornar a mulher de sua vida. Mas, além de dúvida, tinha medo.

Ela decidiu mudar tudo. Tinha que arriscar. Tinha que falar. Não importa se seu rosto incendiasse quando ela o fizesse. Ela conseguiria reverter aquela situação, que de tão torturante poderia ser mágica! Ensaiou em frente ao espelho. Ensaiou algumas piadas também, para quebrar a tensão, porque eles faziam muito isso juntos, riam. Mas acabou tudo num pedaço de papel. Afinal ela sempre fora melhor com a caneta que com as cordas vocais. Esperaria o momento certo para lhe entregar a carta. Ou então faria o momento. Deixaria mais uma vez nas mãos do Sr. Destino.

O momento chegou e ela nem se deu conta. Estavam mais uma vez juntos, numa tarde de quarta-feira, conversando naquele banco que costumavam sentar e conversar por horas, enquanto o sol e a brisa circulavam seus corpos. Os distantes sons de suas risadas ainda ecoavam em suas cabeças quando silenciaram e ficaram simplesmente a se olhar. Olho no olho, bem assim. Ela, inebriada com aquele brilho. Ele, tentando decifrar o óbvio e mergulhar em sua alma. Até que o momento surgiu. Ah, o Destino.

Ele que havia tomado a iniciativa. Perguntou. Sim, era sobre sentimentos. Ela, incapaz de esconder a verdade, desviou o olhar e, com as faces rubras e febris, admitiu. Rapidamente pegou o papel todo escrito em sua mochila bagunçada e estendeu para ele, com os olhos no chão. Ele leu, e sorriu. Ela levantou o olhar, esperançosa. Ele sorriu de novo, iluminando o rosto dela. Declarou sua percepção a verdade. Estava muito satisfeito internamente. Havia descoberto a verdade que tanto queria e não disse a verdade sobre si mesmo. Apenas sorriu, transparecendo sua satisfação. Mas a garota, ansiosa, não percebeu isso. Ou então percebeu sim, pela maneira serelepe e saltitante que regressou ao seu lar depois que se despediu do garoto.

O que aconteceu naquela tarde ainda é um mistério. O encontro real de dois corações se deu ali, com aquela pergunta, aquela carta, aqueles sorrisos. Descoberta, satisfação e paixão, são apenas alguns sentimentos que inundaram aquele banco, aquela tarde. Se se abraçaram, se se beijaram, ou se ficaram ali, apenas olhando nos olhos e sorrindo, não importa. O que importa é que os caminhos dos dois estão entrelaçados. A garota, muito mais feliz e menos ansiosa; vive a se emocionar por uma flor que vê nas estradas ou rir de uma rajada de vento mais forte que assanha seus cabelos. O garoto, ainda mais confiante, decide deixar que os fatos se desenrolem naturalmente, mas disso o Sr. Destino se encarrega prontamente. Já experimentam o amor a felicidade incondicional que ele pode trazer. Mas eles querem experimentar ainda mais, juntos. E quem não iria querer?

'Baseado em Fatos Reais'

Rafael Victor


Dedico à senhorita D.Q., que talvez tenha vivido ou viverá uma história vagamente parecida com essa.