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quarta-feira, 18 de julho de 2012

Um Vestido negro, uma rosa vermelha...

O cavalheiro chegou naquela casa incomum e sentou-se numa mesa qualquer, junto com alguns conhecidos. Alguns risos, conversas altas e outras tantas rodadas de absinto, tudo preparando-os para a noite tão esperada. As cortesãs riam, dançavam e se insinuavam para os rapazes, homens e velhos que frequentavam aquela casa, mas nenhuma delas conseguia sequer prender a atenção do cavalheiro. Ele sabia porque estava ali, e não era por causa de qualquer cortesã. Era por causa dela, a estrela da noite, o anjo noturno que há muito frequentava seus sonhos e até o salvava de alguns pesadelos. Esperava ansiosamente pelo momento que divisaria seu olhar e, enquanto fazia isso, até se divertia com alguns gracejos pertinentes de algumas cortesãs. Logo, logo, elas se retiraram e as luzes se apagaram. 


O show ia começar. Uma suave luz vermelha se acendeu no pequeno palco e as cortesãs logo apareceram a dançar em círculo. Pareciam estar escondendo algo. Quando se abaixaram ao término de sua coreografia, ela surgiu no centro, a estrela noturna que todos esperavam, inclusive o cavalheiro. Encantava a tudo e a todos. Na penumbra, seus olhos castanho-avermelhados acendiam-se como em chamas. Sua pele, levemente morena, refletia a luz vermelha do local. Seus cabelos negros e encaracolados caiam por sobre suas costas nuas. Vinha com um espartilho vermelho ornamentado com cordões de ouro, privilegiando seu farto busto. Por baixo, um belo vestido negro, que possuía uma grande fenda lateral que destacava suas pernadas torneadas. No pescoço e nas orelhas, trazia rubis finamente lapidados. Trazia um olhar oblíquo, como o de um felino e nos lábios, um sorriso faceiro e maroto.  Seus movimentos eram acompanhados em câmera lenta por todos os presentes, sobretudo pelo cavalheiro. Em seguida começou seu número de música e dança. 


O cavalheiro assistia tudo com afinco. Em meio a todo o entretenimento e à alta concentração alcoólica que se concentrava em seu cérebro nem percebeu o tempo passar. Todas as luzes ainda ofuscavam sua vista quando se viu sozinho na mesa em que estava com os conhecidos, no meio do salão escuro, com alguns funcionários limpando o chão e recolhendo algumas taças sujas. Ao longe, ainda se ouvia alguns risos abafados de cortesãs que atendiam a seus clientes em recintos mais reservados. Ainda um pouco tonto, observou um arranjo de rosas brancas e notou uma rosa vermelha no centro. Logo se lembrou daquela bela senhora que se apresentara mais cedo naquela noite. Arrancando de supetão a rosa vermelha, foi rapidamente para os aposentos daquela rara rosa. 


Chegou a frente da grossa porta de madeira. Respirou profundamente e bateu três vezes com o nó dos dedos. Impaciente, abriu logo a porta. Encantou-se com a visão que teve. Lá estava ela, de costas para a porta e de frente para seu espelho, retirando o espartilho. Já não usava as jóias, e ao lado de seus pentes e outros objetos femininos, o cavalheiro pensou ter visto o brilho prateado de uma tesoura. Ela virou-se calmamente quando percebeu sua presença pelo reflexo do espelho. Ao olhar a feição jovem, pálida e assustada do cavalheiro, desabrochou aquele sorriso faceiro e maroto, porém sincero. O cavalheiro não sabia se aquilo o acalmou ou o deixou ainda mais nervoso. 


"Não, isso não está acontecendo comigo", pensou, "não pode ter amor, não pode ter sequer paixão!"
-Pois não?
- V-você não sai de minha cabeça.
Ela aumentou ainda mais o sorriso. Levantou-se de sua poltrona e foi até ele, com todo aquele seu andar sensual. Ele logo lhe ofereceu a rosa, que ela enganchou em alguns anéis de seus cabelos. Em algum lugar no salão, lá embaixo, os músicos pareciam ensaiar alguma música. Sorrindo, a dama da noite o segurou pela mão e, se aproximando de seu ouvido, sussurrou:
-Vamos dançar!


Desceram rapidamente. Os músicos animados começaram uns acordes que logo se revelaram num bem marcado tango. E ali, no escuro, o casal começou a dançar. Os dois, cavalheiro do dia e dama da noite, se entregaram àquela dança como jamais fizeram. Ele, com aquele amor ardente que ele alimentava e tentava abafar no coração. Ela, que, mesmo sendo experiente, parecia sentir o amor do rapaz e pelo rapaz, amando e sendo amada, verdadeiramente, pela vez primeira em toda a sua vida dedicada ao mundo noturno. Aquele amor que nascia em seu coração parecia uma luz que aquecia seu frio interior e apagava todo o seu passado. E tudo tão de repente... Talvez estivesse escrito nas estrelas. Maktub, ela já ouvira algo assim.


"Puro, esse amor.", pensou.


Aproveitaram bem cada momento do tango bem marcado que dançavam. Até que o cavalheiro se afastou dela, e a música silenciou.
-Não, isso não está certo. Eu não posso sentir isso por você, porque jamais serei correspondido...
-Espere..!
-Muito obrigado pela dança, pela noite, mas eu não posso mais, sinto muito...
Dizendo isso lágrimas brotaram de seus olhos.
-Por Favor, espere...
Lágrimas também surgiram nos olhos da Dama.
-Não, não posso ficar. Não quero ser iludido, já li histórias assim, e o destino nunca é bom. Eu...
-ESPERE!
Com o grito da dama, o cavalheiro virou-se, olhos esbugalhados. Viu as lágrimas em seus olhos e soube que algo mais estava acontecendo.
-Eu nunca senti isso que estou sentindo por você - disse ela -  E você queria tomar isso de mim?
-Eu apenas pensei que... eu...
-Eu te amo - sussurrou a dama, as lágrimas escorrendo pelos olhos.
-Eu também te amo...
 Estavam muito afastados para seres que diziam que se amavam. Deram alguns passos lentos até correrem, um em direção ao outro, para a união de seus lábios. A rosa vermelha caiu lentamente dos cabelos da dama.    Seu vestido negro também caiu ali mesmo, do lado da rosa.
-Sabia que você nunca saiu de meus sonhos? - perguntou o cavalheiro
-Sabia que era você que eu visitar nas noites solitárias. - respondeu a dama, entre um sorriso tipicamente seu.
E ali mesmo se uniram, num só coração, num só corpo...






Rafael Victor

terça-feira, 3 de julho de 2012

Mais uma de Amor

Há muito escutei o que não devia ter parado para escutar: Aguentei firmemente as ladainhas de homens, reis, mendigos, poetas, bardos, cavaleiros, bobos... falarem sobre como era amar. Todas aquelas pessoas queriam se valer de minha juventude e teimavam em tentar me ensinar a amar. E eu, perdido em minha pouca idade, nada podia entender: ora me convenciam das maravilhas que o amor proporcionaria para aqueles que mergulhassem de cabeça na sua correnteza, ora me aterrorizavam com todo o sofrimento e dor que eu poderia sentir, se eu teimasse em sentir quando o amor me ignorasse.

Eu ouvia, ouvia e sorria das loucuras daqueles velhos que pareciam se deliciar ao expor tantas experiências que aparentemente marcaram sua míseras vidas. Ria com uma soberbia ingênua, crente na minha possível imunidade contra tantos bens e tantos males. E meio às festas de cantorias amorosas dos velhos, vi de relance e voltei meu olhar para enxergar melhor. Lá estava ela, a imaculada donzela, seus cabelos vermelhos como o fogo voando ao vento em contraste com sua tez alva e pura e com a seda esmeralda do vestido bem marcado em seu corpo jovem. Com aquela visão meus olhos  se esbugalharam e meu queixo caiu. Meu coração bateu mais forte e ficou difícil de respirar. Experiente que estava, teoricamente, nesses assuntos de amor, percebi, graças às tantas lições dos meus velhos amigos velhos de cantigas, que esses sintomas eram de uma paixão ardente que nascia à primeira vista.

De repente me vi vivenciando todos os louros, fantasias, dores e sensações típicas do amor e de que há algum tempo atrás eu ria. Virei cantor, poeta, rei, mendigo, cavaleiro, bobo... Virei velho e voltei a ser novo, tudo internamente, tudo numa explosão de sentimentos. Fui à corte, me fiz conhecido, tornei-me cavaleiro; com um lenço de minha amada guardado sob minha camisa, lutei em guerras ferrenhas para conquistar seu amor. Cantei meu amor, a fim de ganhar o seu em troca. E depois de algum tempo, para combustão instantânea de todos os meus átomos, nossos lábios se uniram num calor ardente de um beijo proibido e rápido. Ali estavam todas as maravilhas do amor.

Mas também sofri. Outro cavaleiro passava na minha frente, roubava minha donzela. Sofri, meu coração doeu. Mas depois inflamou-se e desafiei-o para um duelo. Armas brancas, noite sem luar. Ali seria decidido o destino de meu amor por minha donzela. Espadas tiniram, uma contra a outra; a de meu desafiante atravessou meu ombro direito; a minha atravessou seu peito esquerdo. Eu tinha certeza que o que dera forças para vencer o duelo foi a chama daquele sentimento fortíssimo dentro de mim. Fatalmente machucado, com o ferimento sugando todas as minhas forças vitais, fui atrás de minha donzela, uma última vez.

Encontrei-a absorta em suas atividades. Ao me ver, ferido, pálido, morrendo, veio ao meu encontro, com os olhos cheios de lágrimas, colocando suas mãos puras sobre meu ferimento, tentando estancar o sangramento num desespero típico de uma pessoa amada. Seu toque só fez a ferida doer mais ainda e cai, enfraquecido no chão. Ela se jogou sobre mim, chorando. Eu já sentia a vida se desprender de mim. Tive a impressão de ver alguns anjos ao redor da minha querida. Reuni todas as forças que ainda tinha e beijei-a, como nunca havia feito e aquele beijo sim, me trouxe de volta. O sangue parecia voltar para dentro de mim e os tecidos se uniram novamente, formando uma leve cicatriz que aos poucos sumiu. De fato havia anjos ao seu redor, que aos poucos alçaram voo entoando seus cantos celestiais. Senti-me mais forte, senti-me vivo. O amor salvou-me da morte. Então olhei no castanho profundo dos olhos de minha donzela, enxuguei suas lágrimas e rimos, juntos, de tudo o que ocorrera. O amor nos salvou e, mais do que nunca nos uniu. Agora era só recomeçar...


Rafael Victor

Sobre Escrever... Rafael Victor

Não quero contar vantagens. Não quero contar mentiras. Não quero escrever besteiras.

Só quero contar histórias. Reais ou imaginárias, que nada mais são que outro tipo de realidade. Quero tocar corações, quero estimular mentes, quer escrever de verdade, para pessoas de verdade. Quero escrever sentimentos, viver o que escrevo, contar o que sinto. Porque eu sou tudo isso aí. Sou o que sou e o que quero ser. Sou que penso, o que sinto. Sou o que falo, o que escrevo. E também sou o que creio...


Rafael Victor

Sumiço

Sumiu.
Simplesmente tornou-se invisível.
Como diriam os populares, "Escafedeu".
"Morreu?" perguntariam os outros, quando o vissem de volta.
Precisava daquele tempo, sozinho.
Os outros jamais poderiam entender.
Parecia ser um desejo recorrente, e até de conhecimento de alguns, mas era tudo o que queria: Esquecer.
Esquecer só um pouco, só por um tempo.
Esquecer (Temporariamente) tudo e todos.
Desaparecer.
Descansar.
Pensar.
E, quem sabe, meditar.

Mas tudo por pouquíssimo tempo.
Algo chamado apego não deixava ele ficar muito longe do mundo que conhecera.
Nem para prolongar o tempo que passava no seu próprio mundo interior.

Mas no momento em que estava só, de olhos fechados, respirou fundo e viu sua vida passar diante de seus olhos, como um filme.
Esboçou um leve sorriso e decidiu que era hora de voltar.


Rafael Victor

domingo, 1 de julho de 2012

Mar, Chuva e Lágrimas

Saiu correndo de casa e foi até a praia. Chegando lá, em frente ao mar, aquela imensidão azul que o sempre confortava, quis chorar, mas as lágrimas não quiseram cair. Sentiu aquele cheiro salgado, ouviu o som das ondas bravias batendo na areia, sentiu levemente o calor do sol poente enquanto fechava os olhos, querendo esquecer de tudo. A brisa suave empurrou seu rosto e seu corpo e ele se jogou na brisa, caindo deitado na areia. E foi de tudo o que ele precisava. Ficou ali, imóvel, ainda ouvindo o som da água, que desde criança ajudava-o a relaxar. Sentia também o pinicar da areia em todo o seu corpo, irradiando ainda o calor de um dia inteiro de sol forte. E ali ele se sentiu confortável demais para se mover.

Só havia um motivo para ele ter chegado tão apressado àquela praia deserta, naquele cantinho secreto que ele sempre ia: queria esquecer, não queria sentir, simplesmente isso. Esperava que toda aquela energia natural o reintegrasse ao jeito que ele estava acostumado a ser. E que pelo menos uma lágrima escorresse pelo seu rosto, para assim aliviar dores de sua mente, de seu coração.

Mas ele simplesmente não podia. Não conseguia chorar. E muito menos se esquecer. Pelo menos era isso que ele queria. Queria não, precisava. Mas não podia. E agora ele se arrependia de todas as decisões que havia feito antes de toda essa situação que solitariamente e, praticamente voluntariamente.

Sim, logo ele, que havia decidido não sentir mais, agora sentia. Escolheu, há algum tempo, não sentir certos sentimentos, e, até certo ponto, havia conseguido. Negou alguns desses sentimentos o quanto pode, mas agora não podia. E para continuar a lista de "mas" e "poréns", agora também não havia mais tempo. Só sobrara o sofrimento.

Muitas cenas permeavam sua mente agora. Ali, deitado na areia, em frente aquele mar maravilhoso, com o céu agora tingido de um azul quase escuro caracterizando o crepúsculo, seu coração queria se arrepender de todas as impertinências de sua mente. Mente essa que controlou tanto o que o coração sentia que hoje só restou o sofrimento.

E em meio a tantos dilemas, as ondas foram ficando ainda mais bravias, as nuvens foram cerrando o céu, tornando-o ainda mais escuro, e um trovão ribombou na distância: uma tempestade se formava. E logo, logo, a chuva torrencial começou, ensopando o garoto ali deitado, lavando até sua alma. Agora sim, ele conseguiu chorar. Chorou, junto com a natureza. E a água que surgiu de seus olhos se uniu com aquela água que surgia dos céus e acabaram por limpar seu coração e sua mente.

Então, mesmo com todo o peso da água dificultando, ele se levantou. Olhou para o mar, enxugou as lágrimas (figurativamente, apenas). "Não, eu não sou assim!", pensou, "Não é algo tão pequeno assim que irá me derrubar...". Então a chuva parou, o mar se acalmou, as nuvens se dissiparam, deixando à mostra um céu azul marinho bastante escuro permeado de estrelas. Ao longe, só se via o leve contorno da lua nova, tornando a noite ainda mais escuro. E ali, em meio a escuridão, o garoto riu, gargalhou, balançando a cabeça. Bateu na roupa para tirar a areia (que naquela altura já havia virado lama!), olhou novamente pro mar, aquele seu amigo que sempre lhe ajudava, olhou para o céu e para algumas estrelas em particular, que lhe lembravam de momentos em particular também e mais uma vez sorriu. Depois se tocou o quanto era tarde e como o tempo havia passado de maneira imperceptível. E do mesmo jeito apressado que chegou, foi embora, agora rindo, às gargalhadas, um pouco insano, talvez...


Rafael Victor